Seria o descrédito?
Num comentário avulso, sobre suas memórias de leitura, um ensaísta comenta a
crise existencial do personagem “Mathia Pascal” do romance “O Falecido Mattia Pascal”
do formidável, Luigí Pirandello.
Adoro os prosadores Italianos, fazia tempo que não lia Pirandello, para corroar e
corroborar uma leitura porvir, descubro que “Mattia” é um Bibliotecário cansado
de sua profissão.
Na FFLCH as literaturas de língua italiana estão em seu idioma original, as
traduções são poucas, nas prateleiras do CRUSP que chamo “ minha Biblioteca”, não
houve ainda momento oportuno para os italianos, só me constam Ítalo Calvino e
Alessandro Barrico.
Biblioteca Pública? 4Shared? Amigos? Sebos? Onde conseguir
uma cópia? Ainda hoje? Para amanhã? Num futuro próximo?
A roda dos fatos quotidianos enregela minhas pequenas ambições leitoras. Num
instante, num mundo todo representação e sonho, um livro vermelho muda de
lista, recém saído das sombras se dirige agora pra baixo da etiqueta “Livros
Muito bons que um dia quando for comodo lerei com certeza”.
Os dias se passam.
Me encontro parado numa tarde vadia, a memória atordoada
pela burocracia da vida retira da modorra dos fatos quotidianos um nome. “Pirandello”.
Me sento em frente ao computador e abro o sistema de buscas do Catalogo. “Pirandello”. (Enter).
Como quase sempre, os melhores livros estão nas unidades Morumbi e Perdizes, a
Desiderata da minha Biblioteca (Unidade Caiubí) se amplia sistematicamente.
Aqui entra o descrédito, as vezes perco a fé de que possa existir “toda sorte”
de livros neste acervo, perco a fé na Biblioteca enquanto espaço potencial da completude,
da contradição necessária à verdade e sobretudo perco a fé na serendipidade.
Mas hei que vejo um título dentre os
outros, aparece como disponível. É aquele que a memória agarra, puxa das mãos
do tempo. Anoto um número que não tem nada a ver com a “Secção” de Literaturas
de Língua Italiana; esta eu já visitei, tem Primo Levi, Dante, Umberto Eco,
Italo Svevo e Calvino, acaba por aí, só não é menor que as literaturas de língua Francesa e Russa, ligeiramente maior que as de língua Alemã e ligeiramente
menor que as de língua Espanhola.
Sigo as prateleiras. Lá no topo, numa coleção encadernada em percalino
Vermelho, onde a inscrição dos Tipos foi feita a dourado num processo de
chambragem a frio, repousa longe das mãos, dos olhos e da percepção uma coleção enorme
de “ Clássicos” publicada pela Abril.
Não é o suficiente pra restaurar minha fé, mas o suficiente pra que eu possa por
intermédio de Mattia Pascal, quem sabe adiar a minha própria crise.